Para você construir uma casa muito firme, especialmente em terreno alagadiço, é preciso começar por alicerces com pedras de muita qualidade e solidez. As cláusulas pétreas da Constituição Federal do Brasil são essas pedras de solidez inabalável, capazes de garantir a paz interna duradoura através da continuidade democrática.
Para entender perfeitamente as razões que levaram o legislador constituinte a inseri-las na Constituição de 1988, como imutáveis e sem sequer a possibilidade de entrarem na pauta de discussão através de Emendas Constitucionais, é preciso compreender o momento histórico que o Brasil vivia naquele momento.
Resposta ao povo que saiu às ruas
Depois de quase duas décadas e meia de uma feroz ditadura sob o comando de militares, o Brasil via no Congresso Constituinte de 1988 uma excepcional oportunidade de construir uma democracia duradoura e, de forma especial, capaz de garantir direitos indivisíveis e perpétuos ao povo brasileiro.
Ao inserir as cláusulas pétreas da Constituição Federal, o Congresso pretendeu exatamente dar uma resposta ao povo que saiu às ruas, exigindo democracia e direitos, e oferecer essa possibilidade de um País com um regime democrático imutável e direitos individuais permanentes.
Cláusulas pétreas são garantias
Elas estão inseridas no artigo 60 da Constituição Federal, em seu parágrafo quarto. Ao definir que a Carta Magna poderá passar por emendas a serem votadas pelo Congresso Nacional, especifica claramente e de forma direta o que não pode ser mexido ou modificado.
São quatro os incisos desse parágrafo quarto que definem o que é imutável como cláusulas pétreas da Constituição Federal do Brasil:
- O Brasil é um Estado federativo e assim deve permanecer;
- O voto do povo brasileiro é secreto, direto, universal e periódico;
- Os três poderes são separados de forma igualitária e permanente;
- E são intocáveis os direitos e as garantias individuais dos cidadãos.
Geradas nas lembranças da ditadura
Expressas de forma tão simples e sintéticas, para o leigo fica difícil entender como há tamanha garantia, incluindo os direitos individuais, em tão poucas palavras. Mas, é assim mesmo que está definida em nossa Constituição a manutenção do nosso Estado democrático, através da separação e igualdade entre os três poderes da Nação.
Nem mesmo os atuais legisladores, através do atual Congresso Nacional, podem alterar qualquer desses itens, sem mudar ou fazer uma Nova Constituição. Ainda com as terríveis lembranças da ditadura que chegava ao fim, os constitucionalistas de 88 tiveram a preocupação de garantir a independência dos poderes e assegurar as garantias individuais do cidadão.
Sem elas, liberdades seriam ameaçadas
Estas garantias individuais estão explicitadas em outros artigos da Constituição, como, por exemplo, a garantia à vida e à liberdade. E veja que, com apenas 30 anos, nossa Constituição já sofreu mais de 70 emendas, enquanto a dos Estados Unidos da América – só para citar um exemplo -, com 230 anos, teve apenas 27 emendas.
Isso mostra a importância das cláusulas pétreas da Constituição Federal, pois, sem elas, é de se acreditar que muitas tentativas de usurpar novamente as liberdades individuais do povo brasileiro já teriam sido apresentadas no Congresso Nacional pelos congressistas que aí estão, visto as barbaridades que são presenciadas quase todos os dias.
Mudar o mapa do Brasil é crime
Outro dos atentados que já poderia ter sido cometido contra a democracia brasileira é nossa forma federativa, indicada nas cláusulas pétreas como a definição de que o Brasil é um Estado plural, que aceita a existência de territórios que possuem diferentes características e interesses políticos.
Querer mudar esse sistema ou dividir o Brasil é crime, consubstanciado pelas cláusulas pétreas da Constituição Federal. Não há como mudar esse sistema ou tirar qualquer Estado da Federação brasileira.
A democracia na solidão da urna
É a situação idêntica para o voto, a maior expressão de vontade do povo brasileiro, outra garantia máxima da democracia e perpetuada pelas cláusulas pétreas. O voto é secreto, direto, universal e periódico – ou seja, está garantida a renovação das lideranças políticas da Nação pelo voto periódico, que deve ocorrer de quando em quando conforme as definições em leis específicas.
Se o voto fosse público, não haveria nenhuma garantia democrática. É na solidão da urna que o cidadão faz a sua escolha, deposita o seu voto e faz sua escolha para os governantes, nos três níveis da Federação – municípios, estados e Federal. E o voto é direto, ou seja, um cidadão vota em outro cidadão de forma universal.
Maioridade penal seria cláusula pétrea
As cláusulas pétreas, portanto, são a segurança do legislador constituinte contra as reformas que poderiam desfigurar a Constituição Federal. Sem elas, a Constituição torna-se por demais vulnerável e suscetível de modificações que poderiam torná-la numa nova Constituição, abrindo espaço para a criação de um novo Estado brasileiro, desfigurado do atual.
É dentro destes princípios de garantias individuais imutáveis que já iniciou a discussão em torno das determinações do artigo 228 da Constituição, que prevê como “penalmente inimputáveis” os menores de 18 anos. Trata-se de assunto que deve ganhar dimensões de discussão nacional a partir de 2019, com o governo que toma posse em janeiro.
Se a Constituição emana do povo…
Para a maior parte dos juristas brasileiros e alguns estrangeiros, a maioridade penal está dentro das cláusulas pétreas da Constituição Federal. Portanto, será uma discussão e tanto no Congresso que toma posse também no próximo ano. Com certeza, é tema que acabará no Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo da Justiça nacional e guardião maior da nossa Constituição.
Se as cláusulas pétreas da Constituição Federal são a maior garantia de nossa continuidade democrática, é também certo que toda Constituição emana do povo e em nome dele deve ser mantida, defendida ou modificada.
Perigos contra a própria democracia
É com esta argumentação que alguns jurisconsultos defendem que é possível modificar a Constituição Federal, inclusive em suas cláusulas pétreas. Apenas que, para fazer isso, haveria a necessidade de uma quase revolução em que o próprio povo for chamado para dar a sua opinião. Seria o caso, por exemplo, de um grande referendo nacional especificamente para modificar a Constituição.
É claro que esse chamamento constitui-se também num grande perigo à continuidade da democracia brasileira. Como temos visto nestes tempos de notícias falsas amplamente difundidas em redes sociais, políticos inescrupulosos também poderiam utilizar-se das chamadas fake news para novamente mentir, enganar e levar o povo a um voto equivocado. E com tudo isso, numa aparência democrática de terror, tirar do povo a sua própria democracia.