Política

Entenda o que foi a intervenção militar de 1964

A intensa movimentação política que sacudiu o Brasil durante março de 1964, trazendo políticos, sindicatos e muita gente às ruas, culminou com a movimentação de tropas militares de Minas Gerais para o Rio de Janeiro na virada da noite de 31 de março para 1º de abril, o que mudaria a história do Brasil para sempre. Para seus apoiadores, foi a revolução de 1964 e, para críticos e historiadores, simplesmente intervenção militar de 1964.

Não importa o nome que se dê a esse movimento, ele foi crucial para a história nacional. Houve a ruptura violenta de um governo legitimamente eleito em 1960 e que teve o populista Jânio Quadros (PTN) como presidente e, um pouco mais à esquerda no espectro político, João Goulart (PTB) como vice, mais conhecido como Jango.

No xadrez geopolítico, a vez do Brasil

Menos de um ano após eleito, entretanto, Jânio renunciou e o governo ficou sob o controle de Jango e sua plataforma que incluía amplas reformas na sociedade brasileira, as chamadas ‘reformas de base’ que muito assustavam empresários, igreja Católica e setores mais à direita, especialmente a classe média urbana. Foi este o caldo que sedimentou a oposição a Jango e levou à sua deposição, após intensa ebulição política nas ruas e que terminou com a intervenção militar de 1964.

Para entender bem tudo isso, entretanto, é preciso conhecer um pouco do mapeamento político do mundo de então e onde o Brasil situava-se nesse xadrez geopolítico internacional.

Mundo dividido e América Latina fervendo

O mundo saiu da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com uma nova correlação de forças e a supremacia de uma superpotência, os Estados Unidos, com seus aliados Inglaterra e França. Do outro lado, o contrabalanço da então comunista União Soviética, uma reunião de países capitaneada pela Rússia, e a timidez iniciante da China, hoje a segunda maior potência mundial em termos bélicos e econômicos.

Essa dicotomia política repercutia seriamente nos países do Terceiro Mundo. A África começava a acordar com sanhas nacionalistas que acabaram com o colonialismo inglês, português e francês nos anos 60 e 70. Restou a América Latina, ainda adormecida em sua pobreza e pequeno desenvolvimento cultural.

Intervenção militar de 1964

Macarthismo e perseguição a comunistas

Mas, também com chamas nacionalistas importantes. Em 1959, a guerrilha de Fidel Castro e Ernesto Chê Guevara tomou o governo e, logo depois, implantou em Cuba o regime comunista, em pleno quintal dos Estados Unidos. Isso assustou muita gente por aqui, num ambiente em que ainda predominava os discursos anticomunistas do macarthismo, liderado pelo senador republicado norte americano Joseph McCarthy.

Foi um período duro para o pensamento de esquerda e dura perseguição aos comunistas nas Américas, tanto do Norte como nas demais regiões. Esse discurso, ao lado do que representou a tomada de Cuba pelos comunistas, incendiou a classe média brasileira, puxada pela Igreja e empresários, enquanto os sindicatos de trabalhadores, incendiados por Jango Goulart, reclamavam reformas sociais mais amplas e a reforma agrária em especial.

Arraes logo preso e Brizola resistindo

Pronto, estava armado o cenário que levou à deposição de Jango, com forte apoio dos Estados Unidos – o medo ao comunismo falou muito forte entre setores conservadores das Forças Armadas brasileiras. A intervenção militar de 1964 teve, ainda, mais um importante ingrediente a impulsioná-la: a relativa desordem econômica que tomou conta do Brasil após a ascensão de Jango à presidência, em 1961, com a forte oposição empresarial a seus projetos.

O Brasil fervia politicamente naquela primeira metade dos anos 60. Passeatas e movimentações de rua eram quase diárias, tanto no Rio de Janeiro e São Paulo, como, também, em capitais importantes, como Recife, sob a liderança do governador Miguel Arraes, e Porto Alegre, com o governador Leonel Brizola, os dois maiores líderes da esquerda brasileira da época.

Temor da intervenção militar dos EUA

Quando as primeiras tropas militares entraram no Rio de Janeiro, no amanhecer de 1º de abril de 1964, Jango voou de Brasília para Porto Alegre, onde Brizola organizava a resistência, inclusive com o apoio de parte importante do III Exército, com sede em Porto Alegre e o mais bem armado dos quatro em que estão compostas as forças terrestres nacionais.

Arraes foi logo preso em Recife, por ter se recusado a renunciar. Brizola ainda manteve a resistência, como fizera em 1961 no chamado Movimento da Legalidade, que garantiu a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio. Mas, Goulart recusou a luta armada, o que desencadearia um imenso banho de sangue no Brasil. Teria sido uma guerra civil tenebrosa. Havia também o temor da intervenção militar dos EUA, o que provavelmente teria dividido o Brasil em dois. Jango preferiu o exílio no Uruguai, onde ficou até sua morte, em 1977.

Intervenção militar de 1964

Autoritarismo e prisões arbitrárias

Com a intervenção militar de 1964, os generais mantiveram o Congresso funcionando (Câmara Federal e Senado), mas, totalmente desfigurado. Vários deputados e lideranças políticas foram presos e deputados cassados, impedidos de exercerem o mandato para o qual foram eleitos. Com isso, os militares conseguiram maioria parlamentar no Congresso para a aprovação de leis do seu interesse.

Implantou-se no Brasil um regime autoritário, fortemente alinhado aos Estados Unidos. Lideranças de entidades como União Nacional dos Estudantes, dos trabalhadores, setores da Igreja e lideranças da esquerda, foram sumariamente presos, torturados e alguns mortos pelos agentes da ditadura.

O Brasil mergulhou numa longa noite de desmandos autoritários, que só terminou em 1984, com a eleição indireta de Tancredo Neves, que não chegou a assumir – adoeceu no dia da posse, morreu logo depois e acabou substituído pelo vice, José Sarney. Que, por coincidência, tinha servido à ditadura.

Movimentos minaram a resistência militar

Antes disso, com imprensa, jornais e revistas censurados a partir de 64 e os principais líderes políticos brasileiros presos, exilados ou mortos, o País custou a reorganizar-se para armar a resistência política à intervenção militar de 1964. Aos poucos, porém, a sociedade foi ganhando novas vozes, muitas das quais de dentro da mesma igreja Católica que, a princípio, apoiou a intervenção militar de 1964.

O Brasil viveu, durante o período militar, um nacionalismo razoavelmente forte, com músicas de apelo popular do tipo Prá Frente Brasil, durante a Copa do Mundo de Futebol de 1970. Coincidentemente, foi o período politicamente mais fechado e mais duro do regime, com o general Médici ocupando a presidência.

Os movimentos políticos, no entanto, foram ganhando força, a ponto de minarem a resistência do movimento que levou à intervenção militar de 1964 dentro das próprias Forças Armadas. A eleição de Tancredo representou o fim da ditadura militar.