Para os profissionais habilitados e estudantes de Direto, há um tema tão delicado quanto interessante na sua complexidade: estelionato religioso.
Não é segredo para ninguém que nos últimos anos houve um crescimento muito grande de aberturas de igrejas no país. Muitas delas obtendo sucesso em atrair público para seus espaços de congregação. Várias causas são apontadas para esse aumento considerável de novas denominações religiosas e seus respectivos sucessos de público.
Uns apontam a velha necessidade humana de encontrar um sentido existencial para a sua jornada no mundo e para isso busca quem lhe fornece as melhores respostas. Outros não descartam essa busca pelo sentido da própria existência, mas acrescentam a depressão econômica que assolou, e assola, o país nos últimos anos como um fator de estímulo para as pessoas renovarem sua esperança na vida e no futuro nas igrejas.
Mas o que é incontestável sobre o engajamento que essas instituições religiosas causam é o poder de oratória dos pastores, dos chefes de congregação. Com uma linguagem assertiva aliada a extraordinária inteligência emocional conseguem conquistar a simpatia de fiéis e exercerem grande poder de influência.
Tal habilidade sem dúvida rende muitos benefícios à instituição que administra e pode render ou não benefícios aos frequentadores. Dependerá muito dos objetivos e intenções desse personagem central para a comunidade religiosa, pois em como em todos os setores existem pessoas bem ou más intencionadas e com as religiões não é diferente.
Evidentemente, os líderes religiosos realmente preocupados em passar os ensinamentos que acreditam e servir de exemplo contribuem para o bem estar e motivação dos fieis e os aproveitadores geram malefícios como o estelionato religioso.
Mas como esse estelionato é praticado e porque é um assunto complexo no âmbito jurídico?
Entenda conferindo os próximos tópicos.
Estelionato religioso na prática
Ciente do grande poder de influência que esses líderes religiosos exercem no público numeroso que atingem, isso pode ser evidenciado, por exemplo, na política, onde vários pastores são eleitos a cargos públicos ao ponto de ser possível se montar uma “bancada religiosa” no congresso, o estelionato religioso ocorre ao se aproveitar da crença de terceiros para se obter lucro fornecendo em troca promessas irrealizáveis.
Um exemplo:
Pastor apresenta no culto um pedaço de terra que diz ser do “reino do céu”. Fala que aquele que o obter irá garantir o seu espaço no reino sagrado após a morte. Mas para obter esse pedaço de terra é necessário pagar um preço, literalmente, no sentindo pecuniário mesmo.
Outros exemplos são vendas de objetos de cura, como cruzes, velas, terços, colares, etc. Qualquer objeto que prometa uma cura milagrosa.
Evidente que esses artigos, objetos de milagrosos não têm nada, certamente o que há de mais milagroso é a lábia do pastor vendedor.
Aliás, é um bom ponto de se abordar antes de seguirmos com a questão do estelionato religioso. Usa-se muito o exemplo de representantes de organizações evangélicas porque hoje essa religião é a que mais tem penetração, capilaridade no país. Por isso, é natural que episódios como esse ocorram com mais frequência dentro desse segmento. Também é natural que apareçam com mais frequência na mídia.
Os evangélicos representam um universo muito grande de pessoas e que não contam com uma gestão centralizada em um único órgão. Muitas instituições atuam de forma autônoma e se denominando como evangélica.
É claro que o estelionato religioso não se restringe somente a esse segmento da sociedade. Usamo-lo como referência apenas por ser o grupo mais alvo desse tipo de ação de aproveitadores.
Como o estelionato religioso é tipificado penalmente?
O estelionato religioso se enquadra no famoso artigo 171 do Código Penal. É o artigo que trata sobre o crime de obter vantagem ilícita usando-se de ardil para induzir terceiros a cair em erro. Ou seja, pelo Código Penal, o estelionato religioso é encarado como uma fraude orquestrada para se obter favorecimento econômico fornecendo produto ou serviço que não entrega o prometido a terceiro.
Exemplos clássicos desse tipo de fraude fora do contexto religioso são o “golpe do bilhete premiado”, o “conto do vigário”, dentre outros.
O estelionato religioso também pode ser enquadrado no artigo 283 que versa sobre o charlatanismo. Esse tipo de golpe induz a pessoa acreditar que determinada pessoa, produto ou ação é capaz de promover cura milagrosa, conceder vantagem extraordinária bastando apenas ser depositário de fé inabalável. Ou seja, vender produto milagroso mesmo esse não sendo.
Exemplos é convencer os fiéis de que o pagamento do dízimo reservará espaço no céu, que o comprar de uma hóstia supostamente sagrada irá curar de doenças crônicas como o câncer.
Portanto, estelionato religioso pode ser tipificado tanto como uma fraude, um estelionato flagrante como um caso de charlatanismo.
Mas onde reside a complexidade da questão?
O problema de tipificar perante juízo essa ação fraudulenta como estelionato religioso é que esbarra em direito inviolável da Constituição Federal. O direito a liberdade religiosa, conforme se pode verificar no inciso VI do artigo 5º.
Não é permitida a interferência do Estado na prática de qualquer culto religioso. Dessa forma, um argumento utilizado para se defender das acusações de estelionato religioso é que por mais que um artigo religioso seja vendido sem resultar em qualquer efeito médico, ninguém pode mensurar os efeitos religiosos no interior de cada indivíduo.
Sua fé sobre a cura ou recompensa após a morte depositada em determinado ato ou objeto pode render-lhe estímulo para aumentar o seu fervor e renovar as suas forças para se alcançar um objetivo. Dessa forma, como último efeito, acaba sendo beneficiado.
Portanto, onde começa a fraude e onde termina a liberdade religiosa? Eis a questão que cabe ao judiciário averiguar sempre cuidando de analisar caso por caso.
Geralmente, a voz que desempenha papel decisivo para a classificação do ato é a pessoa ou pessoas que foram alvos da ação fraudulenta. Se elas se consideram enganadas, vão depor em juízo que lhes foram prometidos um benefício ao se adquirir um produto ou serviço que claramente não se concretizou e nem poderia ter condições de se concretizar. Mas se tais pessoas não têm esse entendimento, e não deporem nesse sentido, a comprovação do estelionato se complica.
Isso ocorre quando há uma denúncia externa ao grupo religioso e os fiéis não se convencem da fraude de que são vítimas.
É importante também salientar que mesmo aqueles que se veem vítimas de um golpe, muitas vezes não têm coragem de fazer a denúncia porque são tão dependentes do círculo social construído nos locais religiosos que ponderam que o eventual isolamento podes lhes ser mais prejudicial.
Gostou deste conteúdo sobre estelionato religioso? Então curta, compartilhe, avalie. Seu apoio faz a diferença. Leia mais de nosso conteúdo.